Daí que eu sou feia, frígida, sem senso de humor, mal-ou-não-comida. Fundamentalista também se aplica.
Porque obviamente é isso o que justifica minha cara de reprovação frente aos comentários jocosos e preconceituosos de hoje pela manhã. Depois de uma implicância exagerada e totalmente desnecessária de uma das enfermeiras. Porque óbvio que o motivo do comportamento todo da moça só pode ser uma coisa. E aí começaram com várias explicações engraçadinhas pra chatice da mulher. S.V.V. (Síndrome da Vagina Vazia). Risadas. Anemia ferropriva (por falta de um certo tipo de ferro fálico). Risadas novamente. Isso aí é falta de alguém que a pegue de jeito. Mais risos. E meu olhar ficando cada vez mais homicida.
Mas é só porque a Mari é mal-humorada, principalmente pela manhã.
(Não, não é só isso.)
Então deve ser porque ela também tá precisando dormir acompanhada.
(Ele veio dormir em casa ontem.)
Ah, vai ver ele não deu conta do recado.
(Super deu.)
A Mariana é assim geniosa, e exagerada. Implica com cada coisa pequena.
Meu querido. Coisa fofa da tia. Não é questão de gênio ou bom humor. Pra mim é mais profundo. Porque tá implícito nesse tipo de comentário valores tão retrógrados e preconceituosos que me revira o estômago. Sério. E me dá enjôo quando vejo que as pessoas continuam repetindo isso tudo, entendendo e não entendendo. Não é ficar procurando pêlo em ovo. A referência tá clara pra qualquer um ver. Não é preciso nem desenhar.
Porque teve um dia em que um colega fez um comentário sobre um professor - que nunca sorria e adorava torturar alunos. Ele disse que era porque o professor era sozinho. Aí a gente viu a aliança enorme na mão esquerda do cara. Foi quando o colega retrucou dizendo que então a mulher dele devia estar com dor de cabeça toda noite há meses. E eu achei que deu um tom diferente. Aquela história da camiseta 100% branco não ser equivalente à 100% negro. Porque quando a piada envolve sexo e o bem-estar do ser humano, beleza. Acho válido. A questão é quando enviesa pra gênero. E pressupõe papéis sociais distintos - e sua hierarquia. E eu enxergo muito esse quê de função social enviesada inerente aos comentários “espirituosos” sobre a enfermeira. Muito. Reverbera a disparidade de poder nas relações, e o estereótipo bizarro. Então não é uma pequena coisa cotidiana. “Porque é no trivial que a reificação acontece e que o imaginário permanece poderoso.”
Mas aí eles – os meninos engraçadões - chamaram duas meninas gracinha, e contaram as piadinhas pra elas. E elas acharam graça. Tá vendo, Mari. Elas gostaram. Pára de implicar. Que fundamentalismo o seu. É só uma brincadeirinha inocente. As meninas entenderam. Você não.
Mas é porque eu sou chata, implicante, e exagerada. Fico vendo complicação onde é simples. Significando toscamente o que é inocente. Querendo pagar de questionadora e militante de antigamente. Hoje em dia não tem mais um porquê. A gente não bate em mulher, não tem preconceitos, defende direitos iguais, então não vem com essa pra cima da gente que não cola.
E toda vez que despertam minhas implicâncias, eu volto pra casa meio murcha. Porque é uma bosta esse fardo de mal-comida. E eu fico repensando e repensando e tentando analisar se será que não tem algum ponto onde realmente exagerei e etc. e tal. E comentários bizarros lidos ao fim da noite sobre o tal do #lingerieday me fazem murchar ainda mais. E achar que 2009 ainda é começo.
Mas eis que o Reader atualiza, e a Mary – como quase sempre – matou a pau. Motivações, sabe. Faz ganhar o dia. Precisamos de mais chatas-loucas de almoços de família.