quinta-feira, junho 11, 2009

Cansei eu!


"Não é uma sugestão. Porque eu sei que excesso de diálogo assusta as pessoas. Mas eu estudei na Universidade Federal de São Carlos. Para alguns, não existe outra que seja tão vanguarda. Para mim, certamente não há.

Pois havia um Restaurante Universitário por lá. E a refeição era grátis. E um dia quiseram cobrar. E o DCE ficou puto. E todo o movimento estudantil ficou puto. E o Susto ficou mais puto que todo mundo. Porque ele era *o* revolucionário. Eu vivia dando pro Susto. Por que, né? Eu sabia que nunca mais comeria um comunista de fato, quando saísse da UFSCar.

E então foi todo mundo pro Restaurante, seguindo o Susto. Puto. Chegando lá, havia uma caixa registradora no corredor que dava pra entrada do Restaurante. Quando o pessoal foi se aproximando, eles fecharam a porta de vidro do Restaurante. E ficou todo mundo no corredor. O Susto não teve dúvidas. Pegou a caixa registradora, símbolo da nossa opressão, e tacou na porta de vidro. Que espatifou. E o Restaurante era nosso de novo etc.

Ok. Depredou o patrimônio público. E a Reitoria abriu um processo para jubilá-lo. Ele e outros vândalos. A comunidade universitária se dividiu. Se mobilizou. Se apaixonou. Etc. Mezzo mozzarela. Mezzo calabresa. Como quase sempre.

E então chegou o dia. E o reitor tomou uma decisão e tanto. Ele fez uma audiência aberta. Com pinta de assembléia. No anfiteatro da reitoria. E ele falou coisas tão legais nesse dia, o reitor. Que fizeram com que eu visse que o Susto não passava de um tonto.

O reitor falou sobre liberdade. E sobre como ela começa e termina. E o mesmo sobre direitos. E falou sobre aspectos técnicos da decisão de cobrar. Mas concentrou-se mesmo na expulsão do Susto. Ele falou sobre por que expulsar. E principalmente por que não expulsar. E eu nunca vou conseguir repetir o que foi dito. Porque eu era uma menina e foi me causando um forte impacto.

E o reitor ali. Refletindo em cima do que fazer diante de uma porta espatifada. E o Susto ali. Com cara de tonto. E aí deu-se o mágico. O reitor disse que era hora da decisão. E pediu pra todos no anfiteatro. Vamos votar. Quem quer que o Susto saia. Quem quer que o Susto fique.

E todo mundo votou pedindo pro Susto ficar. E quando todos os braços estavam levantados. O reitor levantou o dele também. E assim teve gente que descobriu que ser contra espatifar portas, significava votar pela permanência do Susto. O tonto. Que saiu de lá se gabando. Que é mesmo a única coisa que ele sabia fazer.

Eu descobri um monte de coisas esse dia. Um monte. Coisas importantes sobre o sentido da vida e blá. Mas descobri, também, o que é uma comunidade universitária. E o quanto ela é importante. E como ela permite. Outros mecanismos e outras coisas. Enfim. Foi inesquecível.

O meu reitor se chama Newton Lima Neto. Eu já contei isso mil vezes aqui. Depois ele se tornou prefeito de São Carlos. É considerado o melhor prefeito da história da cidade. Fez o sucessor e é da linha pragmática do partido dos trabalhadores. Tem cartaz com o Lula e é sempre muito cotado pra ser candidato a governador.

O DCE tinha um caixão e quando o Newtão pisava na bola, havia um enterro simbólico dele. O cortejo andava pelo campus e o Susto, mesmo depois do episódio, sempre ia na frente, segurando a alça.

O Newton fez tanta coisa em São Carlos. Mas toda vez que me perguntam porque eu gosto dele, eu digo. Porque ele fez uma assembléia pra decidir o destino do Susto."


Mary W., uma de minhas feministas favoritas
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E não é só o fato d'eu não ter uma universidade como a dela. Nem um reitor como esse. Não é a incapacidade de um mínimo de diálogo no lugar onde ele deveria ser pilar de relações e decisões.

O que continua engasgado aqui dentro é a quantidade de pessoas se manifestando a favor do que foi feito. Porque aí passa da questão do olhar-somente-pro-próprio-umbigo, é mais profundo. É justificar o injustificável.


Porque não há nada que você possa vir a me dizer que venha a me convencer que tal forma de violência deveria ter existido. Foi além da agressão física, muito além.


Você pode não concordar com as pautas dos grevistas, as táticas utilizadas, os dois-ou-três que jogaram tijolos, os três-ou-quatro que "provocaram", quem parou-o-trânsito-e-te-fez-chegar-atrasado-no-trabalho, os rumos do movimento estudantil, e a representatividade das assembléias.

Chame de baderneiros, comunóides folgados, gente que não quer estudar e não dá valor à vaga que tem, massa de manobra de partidos esquerdistas radicais, depredadores de patrimônio público, contraventores da constituição, ou qualquer outro jargão do gênero.


Apesar d’eu discordar diametralmente, é um direito teu pensar assim. Direito, percebe?! De se expressar, de reivindicar, de chamar atenção pro que tu acha importante, de exigir que haja a possibilidade de debate, ou de simplesmente ficar revoltadinho porque os gritos de “alguéns” pelo que acham importante atrapalharam teu dia-a-dia e tua aulinha no ICB.


Mas apoiar tal ato ditadorial? Achar que vale tudo para preservar a “ordem”? Que é válido utilizar sprays de pimenta e bombas de efeito moral como instrumentos políticos?

É cuspir em cima de toda forma de liberdade que existe - ou que deveria existir. Não é "apenas" um crime, não é só porque faz todos aqueles que um dia já lutaram e/ou morreram pelo direito de se manifestar se revirarem nos caixões - ou cemitérios clandestinos.


É você, ser humano (?), achar que tudo bem um outro ser humano APANHAR e ser PERSEGUIDO porque ele defende algo com o qual você não concorda e de alguma forma fez com que você se sentisse prejudicado. APANHAR e ser PERSEGUIDO. Daí pra ser assassinado/torturado porque discorda é um passo. Pequeno, eu diria.


Que mundo é esse, gente? Que tipo de pessoas são essas?


Se fossem apenas meus coleguinhas de faculdade, eu estaria mais tranqüila, não surpreende tanto mais - apesar de continuar despertando revolta. Mas aparentemente, e infelizmente, são milhares muitos outros espalhados por aí.

Vergonhoso. Intolerável. Não os deixemos fazer mais barulho do que a gente. Nunca.