quinta-feira, novembro 23, 2006

A gente vai levando ...

Hoje é um daqueles dias em que o inconformismo, a incredulidade e a tristeza tomam conta. Eles já estavam infiltrando-se em mim silenciosamente, aos poucos, durante as últimas semanas; eu já estava me preparando psicológica e moralmente.
Mas o ser humano, por mais óbvia e inevitável que a conjuntura lhe pareça, ainda tem a tal da esperança, que teimosa, não deixa aquele fiozinho de pensamento otimista ir embora, e a sensação do "tudo, tudo ainda pode dar certo" não nos permite desabar precocemente, fazendo com que tenhamos forças para acreditar até o momento do veredicto final.

Parece que em dias como o de hoje, a discordância de comportamentos e mentalidades com a qual lidamos diariamente torna-se ainda mais gritante, e a revolta devido a ela grita ainda mais forte dentro do peito.
Espera-se (eu pelo menos esperava) que uma parcela significativa da auto-denominada "elite pensante (?) do país" demonstrasse mais clareza, responsabilidade e interesse ao escolher aqueles que a representam e que brigam por seus direitos nas diversas instâncias existentes.
No entanto, estas pessoas que se revoltaram tanto neste ano de eleição em se tratando do resultado da votação, alegando e culpando a suposta existência de uma massa alienada, irresponsável e manipulável por propostas vazias ... estas mesmas pessoas, na hora em que puderam fazer sua opção, não demonstraram ter o embasamento, a responsabilidade e a consciência que clamaram tanto serem necessários.

Poderia ser somente o fato de quererem transformar um centro acadêmico em qualquer coisa que não tenha a ver com educação, extensão e política. Poderia ser somente a questão do elegerem pessoas que abertamente não têm a menor seriedade e capacitação para exercerem os tais cargos empresariais burocráticos tão sonoros e bonitos aos quais se propuseram. Poderia ter sido só o modo baixo, ofensivo e anti-ético com que os indivíduos agiram objetivando o poder e o dinheiro.

Mas não, não é só isso. Não se trata apenas de derrota e de uma eleição para diretório acadêmico. Trata-se de todos os princípios e valores subentendidos nestes últimos acontecimentos.
Trata-se da postura da maioria de desinteresse, desrespeito e preconceito com qualquer assunto que tenha a ver com política e movimento estudantil. Trata-se da priorização só do que diz respeito ao próprio umbigo, não havendo mobilização para nada além do que possa interferir no sonho do ideal de riqueza, do consultório privado, do diploma foda na parede com sobrenome reconhecido e do currículo invejável.

É o utilizar-se de uma instituição como essa só para status pessoal e atuações pontualmente vazias no estilo pão-e-circo. É o sentir-se plenamente satisfeito desde que tenha água gelada no corredor e vaguinha de estacionamento garantida para o seu Audi.
É o conformar-se com os outros decidirem por você sobre coisas que são do seu direito; é a alienação ser tamanha a ponto de você nem conseguir perceber se estiver sendo manipulado ou lesado; é o não se importar com a realidade do sistema de saúde do seu próprio país; é o abster-se do papel de agente transformador e de alvo potencial de transformação junto à população que contribui ativamente (e monetariamente) para a sua própria formação.

Talvez, no fim, o certo seja mesmo ter simplesmente um balcão enorme de serviços e festas representando quem pensa dessa forma; afinal, uma entidade representativa deve refletir a mentalidade da maioria. Talvez, somente um certo retrocesso force um questionamento mais do que necessário de princípios e de conceitos básicos.

O que não diminui em nada minha indignação, meu desconsolo e minha vergonha de fazer parte de algo com esses preceitos. É triste ver o lugar que fez você crescer tanto, abrir tanto as percepções, e conhecer tanta gente imprescindível ser ocupado (legitimamente, o que é ainda pior) pelos Enéas e Frank Aguiares dos estudantes de medicina.
Em pensar que não muito tempo atrás, pessoas como Gélson e Cabral ocupavam aqueles mesmos metros quadrados ...



"Mesmo com o nada feito, com a sala escura
Com um nó no peito, com a cara dura
A gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando, a gente vai levando essa guia ..."
(Chico Buarque)