domingo, julho 27, 2008

Tchutchucas, uni-vos ...

Me chama de cachorra que eu faço au-au. Agora eu sou piranha e ninguém vai me segurar. Vai, popozuda, rebolando até o chão.
Ultraje à mulher? Cúmulo do machismo? Meros objetos sexuais? Degradação? Não se dão ao respeito?

Bonitinho mesmo é o nosso discurso de jovens auto-declaradas feministas proclamando o ódio e a revolta contra todo esse tipo de atitude e manifestação. Mas às vezes é preciso ir além da repetição da cartilha fofa e clichê de militante, senão a gente acaba sendo é hipócrita e apenas contribuindo pros estereótipos e preconceitos permanecerem.

Porque, numa boa? Eu defendo piamente o direito da mulher ser de Amélia a totalmente emancipada, de pudica a libertina, de mãe de seis filhos a solteira convicta, de objeto sexual a cachorrona, até mesmo Amélia e putona e objeto sexual em fases sucessivas, inclusive ao mesmo tempo se assim ela bem entender.

A questão pra mim surge quando esse estigma sexual feminino acaba sendo o único e primordial, quando é imposto, ou quando é ele que termina por ditar a forma como se dão as conquistas e as relações sociais e de poder na sociedade.
E vamos combinar que nós mulheres temos um papel mais que fundamental em contribuir para ou impedir que tais bizarrices continuem acontecendo. Efetivamente mais do que meras músicas com letras consideradas machistas que causam tanto furor e frisson.

Quem não se dá ao respeito: a mãe de dois filhos que trabalha durante o dia e à noite vai ao baile funk cachorrona dançar libidinosamente, ou a executiva impecavelmente vestida que aceita as investidas do chefe pra alavancar uma promoção?
Qual a definição de degradação: a mulher que vai até ao chão e quando está com vontade de transar, simplesmente assume, vai lá e trepa com quem interessar; ou a moralista educada que aceita calada ganhar significantemente menos que seu colega homem de trabalho para exercer exatamente a mesma função?

Não vejo o menor problema em dançar/agir/cantar/gostar-de-ser-vista como gostosa/popozuda, desde que isso não seja tudo. Desde que não permita que tal parcela de sua personalidade seja utilizada ora como forma de dominação e humilhação perpetuando as desigualdades, ora para proveito pessoal em cima dos estereótipos que tanto abominamos e lutamos contra.
No fim das contas é tudo uma ideologia de acreditar numa igualdade de direitos e numa liberdade de comportamento e atuações. É aceitar, declarar e assumir todas as diversas/possíveis facetas e vontades do pertencer ao sexo feminino.
Não necessariamente define negativamente teu caráter e anula tuas convicções, sabe. Muito pelo contrário.

Não é trancar-se numa redoma de puritanismo e politicamente correto pra assim galgar espaço e respeito. É poder dançar que é tua potranca e dar risada da letra e etc. e tal, mas ter a liberdade de só agir assim se ela quiser, quando ela quiser, e com quem ela quiser. É poder falar da mesma forma dos homens se ela sentir vontade. Ou não gostar mesmo de nada disso e poder ficar na sua.

Cantar que um tapinha não dói e curtir um durante momentos íntimos não é a mesma coisa que incitar e apoiar a violência contra a mulher. Usar roupas mínimas e provocantes não é pedir pra ser estuprada. Da mesma forma que se comportar e se vestir como uma lady não é sinônimo de inteligência, respeitabilidade e verdadeira feminilidade. Isso sim ainda é machismo fundamentalista besta, percebe?

Mulher vai continuar sendo tachada de submissa, burra, incapacitada e mero objeto de prazer inúmeras vezes durante a vida. Ser mulher hoje em dia é ainda ter que sucessivamente provar inteligência, capacidade, competência e força nas diversas instâncias. E sinceramente, aquelas admiráveis que provam isso provam cantando Pagu ou o Créu, de calça comprida ou de sainha, na faculdade de humanas ou no morro.

Você pode muito bem não concordar com tal e tal comportamento e estilo de vida de pessoas. O que incomoda é quando o julgamento tem pesos e medidas diferentes para homem e para mulher.
Eu mesma não prego respeito cego e admiração por todos os estilos de vida – tenho meus juízos de valores bem fortes em relação às pessoas. Mas concordo com a liberdade de escolha pelos vários jeitos de ser, sem a pressão de se ter que assumir um papel imposto historicamente ou “militantemente”.

É você poder ser mãe de família, casada com o trabalho, esposa perfeita, ou não saber nem sabe fritar um ovo. É escolher ser religiosa monogâmica, atéia com vários parceiros, princesinha, inclusive falar palavrão e ir ao baile sem calcinha quando bem entender.
É lidar com suas decisões e com as conseqüências advindas delas como qualquer outro ser humano, independente de você ter nascido XX ou XY.
E é por essa liberdade e contra esse pré-julgamento estrito de gênero que lutamos todas, não?