terça-feira, julho 01, 2008

Eu quero uma pra viver ...

Era pra falar de machismo e feminismo. Não dos casos extremos e escancarados como mutilações genitais ou como a manchete que eu li dias atrás e salvei o link porque deu revolta. Mas sim daqueles velados do dia-a-dia, que a gente ouve de homem e mulher, desconhecidos e familiares, e até repete, e ri, e faz sem sequer perceber direito o que significa. Porque tá tão enraizado nos nossos costumes e em nossa história que vem quase que naturalmente, na inércia.

Era pra falar das eleições do Zimbábue. Do quanto ainda me custa acreditar que é de verdade e atual, e não um documentário antigo de mais um daqueles absurdos difíceis de se engolir que a gente aprende assim an passant nas aulas de História e Geografia do colégio. Porque se eu aprendi a sucessivamente ignorar que todo dia acontecem barbaridades análogas e desrespeito total a liberdades aqui no meu próprio bairro e lá na cidade que eu clamo por ser minha Pasárgada, por que não faria o mesmo com um continente tão marginalizado de atenções midiáticas e sociais efetivas?!

Era pra falar do filme antiguinho-clichê-de-movimento-estudantil que eu fui adiando de assistir por causa da minha birra besta com coisas unânimes e da modinha e que, apesar dos vieses, foi um puta d’um tapa na cara. Porque quando destrincham em tela grande a perversidade e a injustiça dessa lógica de sistema e de sociedade elevada à última potência, não há hipocrisia e apatia que se sobreponham ao mal-estar brutal pós-sessão.

Era pra falar de tudo isso, mas eu vou acabar como sempre sendo umbiguista e falando de mim. Da minha crise já antiga de não saber exatamente como diabos contribuir pra que tudo isso se extinga, ou ao menos comece a retroceder.
Eu, que sempre olhei nada deslumbrada pras meninas bonitas e gracinhas da minha turma que vão ao orfanato todo ano doar brinquedos e brincar com as criancinhas, porque gostam e até deve dar uma sensação de “tô fazendo a minha parte”. Mas de que adianta, se em todas as outras escolhas da vida elas decidem contribuir pra que as diferenças só aumentem?

De que realmente adianta ficar discutindo sem propósito e sem educação em lista virtual ou em eleição de diretório acadêmico, enquanto os atores sociais à volta só se afastam e se alienam cada vez mais frente a isso?
De que adianta ter todo um acúmulo e uma oratória invejáveis quando só utilizados pra falar bonitinho em reuniões e assembléias e aumentar a lista de atividades do currículo pessoal?
De que adianta ficar criticando assim e clamar estar “do outro lado da trincheira” quando, na prática, você não faz nada pra que um milésimo dessa situação que tanto te incomoda se modifique?

Eu, que não vou todo ano a orfanatos. Que não mando e-mails mil pra listas. Que não tenho nem acúmulo muito menos oratória decentes. Que tenho certo que não vou seguir carreira política nem escolher cargos cuja função principal acabe entremeada de aparições públicas e discursos. Que ainda não sei precisar qual rumo profissional irei tomar.

Mas que sei que mexe e desassossega toda vez que dou de frente com as diversas realidades, e dura mais do que aqueles momentinhos breves pós reportagem/filme/percurso de volta pra casa/fórum.
Também sei que ameniza um pouco toda vez que eu voto em quem acredito, que participo de algo que luta pelo que acho justo, que digo não a opções que só corroboram com a continuidade do que incomoda, que elucubro sobre como atuar como médica daqui a uns anos e como cidadã.

Porque tem gente que foi feita pra holofotes, pra atenções e reconhecimento, pra macro, pra gerir. Eu gosto é de bastidores, do trabalho de formiguinha do dia-a-dia, do planejar e executar, de resultados na minha localidade.

Só que ainda não é o suficiente, percebe? Não acalma por completo, não satisfaz cem por cento. Mas por enquanto é o que eu vejo como factível, o resto continua é tirando o sono de tempos em tempos.
Se bem que essa inquietude até tem um lado bom. A insatisfação não deixa a gente na inércia, pelo menos não por muito tempo. Porque a última coisa que eu quero é me tornar aquela garota que ia mudar o mundo, e agora assiste a tudo em cima do muro...